Diversidade que fortalece a luta: a força plural das mulheres na Jornada Nacional

Caravanas de mulheres de 20 estados do Brasil levam à Brasília a riqueza cultural e a diversidade de vozes que, no coletivo, potencializam a luta por direitos e justiça socioambiental

Mística de abertura da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas em Brasília. Foto: Nivea Magno / MAB
Mística de abertura da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas em Brasília. Foto: Nivea Magno / MAB

São mais de mil atingidas de todo o Brasil na Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas, em Brasília. Vindas de 20 estados, elas representam a diversidade das atingidas do MAB: com muitos sotaques, de várias idades, urbanas, rurais, quilombolas, LGBTI+. Essa pluralidade fortalece a luta das mulheres para enfrentar o fascismo e a crise climática, e aponta caminhos para avançar nos direitos.

A jovem Ana Helen, atingida do Amazonas, em sua primeira participação na jornada de luta. Foto: Victoria Holzbach / MAB
A jovem Ana Helen, atingida do Amazonas, em sua primeira participação na jornada de luta. Foto: Victoria Holzbach / MAB

Participando pela primeira vez de uma jornada nacional, a jovem Ana Helen Parintintin, de 20 anos, é descendente indígena e nasceu em Humaitá, Amazonas. Hoje residente do Baixo Madeira, na Comunidade de Nova Aliança, Porto Velho (RO). Ana é estudante e viveu na pele as secas que atingiram seu território nos últimos meses de 2024. Ela conta porque se considera atingida: “Lá onde eu moro, nós sentimos os impactos das mudanças climáticas na convivência com a floresta e também nas nossas plantações, que são atingidas pelas barragens”. Para ela, a jornada é uma oportunidade fundamental de aprofundar seus conhecimentos e fortalecer o Movimento dos Atingidos por Barragens na sua comunidade. “Quero aprender algumas coisas novas para levar para a minha comunidade, falar com outras mulheres, motivar para que elas também participem”, explica.

Atingida do Rio Grande do Sul, Pâmela relata uma vida inteira de impactos das enchentes. Foto: Victoria Holzbach / MAB
Atingida do Rio Grande do Sul, Pâmela relata uma vida inteira de impactos das enchentes. Foto: Victoria Holzbach / MAB

Há 3.700 quilômetros de Humaitá está Pâmela Gomes Chaves que, apesar de sofrer em uma experiência diferente que Ana, vive a mesma crise. Para a moradora da Ilha Grande, em Porto Alegre (RS), o desafio são as frequentes enchentes. Desde que nasceu, há 40 anos, ela vê a água entrar em sua casa, mas em maio do ano ado a situação foi extrema. “As nossas casas foram embora com a água. Então, a gente decidiu lutar pra sair de lá. Porque essa última enchente levou tudo: nossa esperança, nosso sonho, nossa história”, lembra ela.

“Sou atingida. Toda a vida eu fui atingida. Quando eu era pequena, a gente não entendia muito a situação. Porque era costume já dos nossos pais e avós morar lá e enfrentar a enchente. Só que eu fui crescendo e vendo que não era bem assim. Que uma hora a gente podia perder a nossa família, nossos filhos. Então, a gente entendeu que era a hora de sair dali, construir uma nova vida em outro lugar e precisamos lutar por isso”, pontua Pâmela.

Também participando pela primeira vez em uma jornada nacional, Pâmela diz que carrega a responsabilidade de representar o seu grupo do MAB: “Eu estou muito emocionada por estar participando e trazendo a voz do meu povo lá das ilhas, das mulheres que ficaram e não puderam participar. Temos que mostrar pra elas que a gente pode, que toda mulher tem seu direito e o lugar da mulher é onde ela quiser”, finaliza a atingida.

Vinda da região Nordeste, Samantha Marques, tem 36 anos e é de Timon, no Maranhão. Ela comenta que participa das jornadas nacionais do MAB desde 2017. “Participo porque primeiro me reconheço como mulher atingida. E aí, em todos esses momentos, a gente vem junto, somando, construindo a luta, principalmente nos territórios que eu atuo lá no estado”.

Samantha é ameaçada por projetos hidrelétricos no Rio Parnaíba e espera que a Jornada aprofunde justamente o debate sobre as mulheres e os debates climáticos: “São elas que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas, são as mulheres que estão no dia a dia na luta, e também fazendo a resistência dentro dos territórios”, pontua Samantha.

Samantha é ameaçada por projetos hidrelétricos no Rio Parnaíba e espera que a Jornada aprofunde justamente o debate sobre as mulheres e os debates climáticos: “São elas que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas, são as mulheres que estão no dia a dia na luta e também fazendo a resistência dentro dos territórios”, pontua Samantha.

Varner é do Espírito Santo e foi atingida pelo rompimento da barragem de Fundão (MG). Foto: Victoria Holzbach / MAB
Varner é do Espírito Santo e foi atingida pelo rompimento da barragem de Fundão (MG). Foto: Victoria Holzbach / MAB

A militante do MAB e pastora Varner Santana Moura, de 56 anos, é de Marilândia, no Espírito Santo. Ela foi atingida diretamente pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Mesmo após 10 anos, ela ainda atua na luta por justiça e reparação para os territórios atingidos, e também acredita que participar da jornada é oportunidade para representar as outras companheiras. “Estou em nome delas, para buscar e levar conhecimento para os territórios, a partir de uma discussão política, social e sobre a geopolítica mundial. Precisamos lutar contra a violência, porque as mulheres atingidas são completamente violadas, não só em seus direitos, mas também nas violações na saúde, na educação, na assistência social e em tantas outras áreas, até mesmo dentro de casa”, conclui Varner.

Camilla, atingida do Oeste da Bahia, fala sobre os efeitos das mudanças climáticas no Rio São Francisco. Foto: Victoria Holzbach / MAB
Camilla, atingida do Oeste da Bahia, fala sobre os efeitos das mudanças climáticas no Rio São Francisco. Foto: Victoria Holzbach / MAB

Na caravana da Bahia, participa Camila Britto, que nasceu e cresceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste baiano. Depois de muito tempo fora da cidade, Camila retornou à sua cidade natal e lembra o impacto de rever o Rio São Francisco depois de tanto tempo: “Quando eu volto, eu encontro um rio seco, mesmo na época de cheia. Não que ele não tenha água, mas quando eu lembro da minha infância, quando eu tomei banho nele, quando eu aprendi a nadar nele, era um rio bem grande. E aí, quando eu chego agora, que na época de cheia ele não chega onde ele chegava, isso é uma coisa que me impacta”, narra a atingida.

Militante do MAB há 11 anos, Camila conta o que a impulsiona a seguir forte no movimento e a participar da Jornada Nacional: “Quando você entende que existe um modelo energético mundial, que opera dessa forma e que gera como resultado os impactos que a gente vê no nosso cotidiano, você entende também que a luta é muito grande. Muito maior do que o meu Rio São Francisco lá em casa”.

Quando a gente faz um encontro nacional de mulheres, onde a gente reúne atingidas das cinco regiões do Brasil, de 20 estados brasileiros, e que elas conseguem se reconhecer como mulheres que estão resistindo a um modelo que é muito amplo, é de uma potência muito grande. Porque quando a luta das mulheres é uma luta ali nas comunidades, parece que é uma luta solitária, individual. Então, quando ela se reúne em comunidade para enfrentar uma empresa, já ganha mais força. As mulheres são a maioria da nossa organização, sempre. Em todas as comunidades atingidas, em todos os grupos de atingidos do MAB”.

O Centro Comunitário Athos Bulcão, na Universidade de Brasília (UnB) acolhe a Jornada Nacional das Mulheres Atingidas, que vai até a próxima sexta-feira (05).



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