Projeto que prevê a redução de área de proteção ambiental é aprovado na Câmara de Vereadores de Araçuaí

Após meses de disputa judicial, e contrariando as recomendações do Ministério Público Federal, vereadores aprovam o projeto que visa reduzir mais de cinco mil hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) no Vale do Jequitinhonha

Militantes do MAB reunidos em Audiência Pública realizada em fevereiro de 2025, com a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para discutir sobre a redução da APA Chapada do Lagoão. Foto: Luiz Rocha

A Câmara de Vereadores de Araçuaí (MG) aprovou nesta segunda-feira (5), por 08 votos a 02, o Projeto de Lei n.º 02/2025, que visa reduzir a Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, localizada no Vale do Jequitinhonha. Segundo reportagem do Jornal O Tempo, a proposta inicial seria de reduzir mais de 5.500 hectares, o equivalente a 23% da APA, mas devido a modificações no texto do projeto, essa redução pode chegar a 50%. A decisão favorece interesses políticos e econômicos e coloca em risco uma importante área de preservação da região.

A aprovação do projeto contraria recomendações expressas do Ministério Público Federal (MPF), que, por meio do parecer MPF/MG nº 15, apontou irregularidades, como a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades diretamente impactadas, conforme exigido pela legislação ambiental e convenções internacionais.

Além disso, o projeto tem enfrentado forte oposição de ambientalistas, movimentos sociais e da população local. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tem se mobilizado contra a proposta desde que ela foi anunciada, denunciando os riscos socioambientais da medida.

O projeto de lei foi proposto em fevereiro deste ano pelo prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa (PSD), com a justificativa de correção dos limites da área de preservação – já que ela ultraa as divisas de Araçuaí, avançando sobre outros municípios como Caraí. No entanto, lideranças locais denunciam que o verdadeiro motivo por trás da medida seria o interesse em liberar a região para a exploração mineral, especialmente de lítio, minério já alvo de estudos na área da APA.

Com a decisão, o município de Araçuaí abre precedentes perigosos para a flexibilização de normas ambientais em benefício de grandes empreendimentos, colocando em xeque a proteção de ecossistemas frágeis e os direitos das comunidades tradicionais que vivem na região.

Ministério Público cobrou consulta prévia a comunidades quilombolas

O Ministério Público Federal de Minas Gerais (MPF/ MG) emitiu, no dia 28 de abril de 2025, a Recomendação MPF/MG nº 15, cobrando a realização de consulta prévia, livre e informada às comunidades impactadas pelo Projeto de Lei nº 02/2025. A medida está amparada pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante esse direito a povos e comunidades tradicionais.

Na Recomendação, o MPF cita a necessidade de consulta especialmente às seguintes comunidades quilombolas afetadas: Córrego do Narciso do Meio, Giral/Malhada Preta, Arraial dos Crioulos e Baú, e ainda às comunidades de Quatis, Igrejinha São Vicente/Corguinho, Santa Rita de Cássia/Barriguda de Cima, Barriguda do Meio, Santa Luzia do Tombo/Brejo do José Vitor, Santa Maria, Lajinha, Neves, São José das Neves, Tesouras de Cima, Tesouras do Meio, Palmital, Calhauzinho agem da Goiaba, Aguada Nova, Salitre, Curruto, São Pedro do Córrego Narciso, Córrego do Narciso de Baixo.

O projeto, aprovado sem consulta popular, propõe a redução da Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, região que abriga dezenas de nascentes, biomas raros e comunidades quilombolas com forte vínculo com a natureza. Segundo o MPF, a proposta pode alterar significativamente as condições de vida dessas comunidades, que não foram ouvidas durante a tramitação.

Ainda segundo o MPF, a realização de audiências públicas não substitui a consulta prevista em lei e na Convenção da OIT. A crítica é direcionada à Prefeitura de Araçuaí, que tem promovido audiências como forma de justificar o cumprimento legal. Para o órgão, é fundamental reconhecer os territórios tradicionais como essenciais à reprodução cultural, social e econômica dos povos, além de garantir seus direitos territoriais, sociais e ambientais.

Sobre a APA Chapada do Lagoão

Situada no município de Araçuaí, em divisa com Itinga e Caraí, a APA Chapada do Lagoão representa uma rara transição entre os biomas da Caatinga e do Cerrado. O território, localizado no Semiárido mineiro, abriga cerca de 400 famílias distribuídas em comunidades tradicionais. Reconhecida como Área de Preservação Ambiental (APA) desde 2007, a região abriga mais de 100 nascentes e comunidades tradicionais que dependem do extrativismo e da convivência com o Semiárido para sobreviver. 

Apesar de sua importância ecológica e social, a Chapada do Lagoão entrou no radar da mineração internacional após a descoberta de vastas reservas de lítio na região. A descoberta coloca Araçuaí, e outras 13 cidades do Vale do Jequitinhonha, no centro da corrida global pelos interesses minerários.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), representantes políticos, lideranças quilombolas, assessorias técnicas e outras entidades seguem lutando para impedir que esse importante patrimônio natural seja destruído e entregue nas mãos das grandes mineradoras.

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Interesses minerários e políticos colocam em risco importante área ambiental do Vale do Jequitinhonha

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