Às vésperas da Jornada de Lutas das Mulheres do MAB, militantes sofrem flagrantes violações de direitos humanos
Após denúncia sobre o uso irregular de agrotóxicos, famílias de atingidos por barragens são ameaçadas por fazendeiros em Rondônia; militantes de comunidades tradicionais da Bahia são presos arbitrariamente e, em Minas Gerais, criminalização de atingidos se tornou recorrente
Publicado 31/05/2025 - Atualizado 31/05/2025

Durante a preparação da Jornada de Luta das Mulheres do MAB, que acontece entre os dias 02 a 05 de junho, em Brasília (DF), coordenadores do Movimento foram surpreendidos com situações de violações de direitos humanos de militantes que atuam na organização. Em Candeias do Jamari (RO), nos últimos dias, famílias atingidas por barragens têm sido constrangidas, perseguidas e ameaçadas por grupos ligados ao agronegócio no estado de Rondônia, após denúncias relacionadas à atuação de fazendeiros na região.
No último mês de fevereiro, o Movimento entregou uma carta-denúncia durante a reunião anual do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos para diversas instituições públicas, como o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Rondônia e a Defensoria Pública da União. No documento, o MAB-RO denunciou a grave situação vivida pelas famílias agricultoras das localidades de Triunfo e Rio Preto, que são remanescentes do reassentamento realizado na década de 1980, em decorrência da construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Samuel. Os atingidos hoje estão cercados por três grandes fazendas de plantio de soja, que realizam pulverização aérea de agrotóxicos, comprometendo a saúde e a qualidade de vida da população local.
A carta enfatiza que a pulverização aérea atinge diretamente a comunidade de Triunfo, afetando a escola, o posto de saúde, restaurantes, lanchonetes, o rio, os animais e o solo da região. Essa prática prejudica a fonte de renda e a subsistência de diversas famílias de trabalhadores rurais, impactando sua saúde física e mental.
Vale destacar que o Brasil lidera o ranking mundial no uso de agrotóxicos por hectare plantado, com evidências robustas dos danos causados pela exposição a essas substâncias, especialmente através da pulverização aérea, que alcança até 32 km além da área de aplicação. Entre as consequências estão o aumento da mortalidade infantil, a contaminação de fontes de água e alimentos e danos irreversíveis à biodiversidade.
Militantes de Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto de Correntina (BA) são presos arbitrariamente

Ao mesmo tempo em que atua para proteger os trabalhadores de Rondônia, a coordenação do MAB acompanha, neste momento, o processo judicial relacionado à prisão de dois trabalhadores da comunidade tradicional de Fundo e Fecho de Pasto de Brejo Verde, em Correntina (BA), lutando por justiça. O casal foi preso no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro (RJ), no último dia 16, de forma arbitrária. Solange Moreira Barreto e Silva, agricultora, fecheira, militante do MAB e agente comunitária de saúde, e seu esposo, Vanderlei Moreira e Silva, agricultor e fecheiro, estavam viajando a eio, quando foram detidos sem informações sobre a acusação contra eles.
Em uma decisão judicial proferida nesta segunda-feira (27), o pedido de liberdade de Vanderlei e Solange foi negado, gerando questionamentos por parte da defesa. Segundo a advogada Ana Paula Moreira Caitano, a decisão do juiz se fundamentou em áudios e documentos que, alegadamente, não foram disponibilizados no processo, impossibilitando o exercício do contraditório e violando o princípio da ampla defesa. A defesa também destacou a inatividade do Ministério Público, que não se manifestou antes da decisão, e informou sobre a impetração de um Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça da Bahia para contestar a legalidade das prisões.
Integrante da coordenação nacional do MAB, na Bahia, Temóteo Gomes explica que, na região Oeste da Bahia o conflito entre as comunidades tradicionais e grileiros não é de agora, os conflitos ocorrem desde a década de 1970. Essas famílias que são fecheiras e participam do MAB, vêm sendo ameaçadas por fazerem a luta em defesa do seus territórios e das águas.
“Em todos esses anos afirmamos que a negligência do estado é tão grande, que fez a situação chegar a esse ponto. Então, é importante o estado da Bahia regularizar as áreas coletivas das comunidades com urgência, para que as famílias vivam em paz nas suas áreas cuidando do cerrado e de suas vidas, garantindo o território para as futuras gerações. Por que se existe ainda Cerrado em pé na região Oeste, é por causa dessa luta que os povos das comunidades tradicionais tem enfrentado. E essa luta vai continuar”, afirma.
A denominação Fundo e Fecho de Pasto refere-se às comunidades tradicionais no Brasil, particularmente no Oeste da Bahia, que utilizam terras coletivas para a criação de animais, principalmente gado, caprinos e ovinos.
Em Minas Gerais, atingidos que lutam por reparação têm sido criminalizados
Em Minas Gerais, empresas estão usando táticas chamadas de lawfare – o abuso do sistema jurídico – para silenciar movimentos sociais e indivíduos que se manifestam contra suas operações. “As empresas abusam de seu poder político, econômico e técnico para perseguir, por anos, qualquer manifestação que atrase em alguns minutos suas operações; buscando resguardar os direitos empresariais como absolutos, enquanto o direito de defender direitos vem sendo reduzidos a pó”, afirma Arthur Colito, integrante do Coletivo de Direitos Humanos do MAB.
Desde 2016, a Vale iniciou essa prática, processando dezenas de atingidos. A tática se expandiu para outras empresas como Anglo American, CSN, Arcelor e MRS em diversas cidades mineiras. E mais recentemente a Sigma Lithium, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, é acusada de assédio e difamação contra defensores ambientais.
Em 2024, a Fundação Renova também ou a perseguir os atingidos com processos e monitoramento de redes sociais. Atualmente, cerca de 30 processos foram abertos, envolvendo aproximadamente 50 pessoas, entre atingidos, militantes e ambientalistas em Minas Gerais. Esse cenário representa quase metade da maior onda de criminalização que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) enfrentou no Brasil, denunciada à ONU em 2006.
