Mulheres do MAB: vozes da resistência por justiça e direitos para os atingidos

Com diferentes histórias de resistência, as mulheres do MAB levam para Brasília a força de um Brasil que luta contra crimes ambientais, privatizações e os efeitos da intensificação da crise climática

Mulheres atingidas durante encontro do MAB em Miguel Pereira (RJ). Foto: Comunicação MAB

A partir de 02 de junho, Brasília será palco de uma importante Jornada de Lutas, que reunirá mais de mil mulheres de diversas regiões do Brasil. Elas vão à capital federal para reivindicar seus direitos, visibilizar suas causas e denunciar as violações sofridas em seus territórios. Mais do que isso, essa jornada é um grito coletivo por um futuro mais justo, onde a vida e o bem-estar das comunidades não sejam submetidos ao lucro. Entre as principais reivindicações, está o arquivamento do PL da Devastação (PEC 65/2012), que busca desregulamentar a proteção ambiental em todo o país. A Jornada também debaterá a implementação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada em 2023.

Mas, afinal, quem são essas mulheres que integram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que, em sua essência, abraça também os atingidos pelas mudanças climáticas? Elas são as vozes da resistência, cada uma com uma história de luta e resiliência que se entrelaça na busca por um país mais justo, em que os direitos de todos à vida, à terra e à saúde sejam respeitados. São mulheres como Missay, que viu sua cidade ser isolada por uma enchente agravada por usinas, ou Dalila, que transformou sua história de luta em pesquisa acadêmica e militância. São também como Cida, enfrentando os alagamentos urbanos intensificados pela crise climática, ou Débora, que se solidariza com a dor de quem sofre com as enchentes no Rio Grande do Sul.

Quem são as mulheres do MAB e o que as une?

Foto: Pedro Salvador / MAB

As mulheres do MAB vêm de realidades diversas: são mães, agricultoras, professoras, quilombolas, pescadoras, indígenas, negras, moradoras de periferias urbanas e áreas rurais. Embora as comunidades tradicionais sejam frequentemente as mais impactadas por barragens e grandes projetos, a crise climática e o modelo econômico predatório afetam mulheres de todas as origens, idades e perfis em todo o país. Algumas nasceram dentro do Movimento, outras foram impelidas a participar dele depois de terem sido vítimas dos mais diferentes tipos de violências de grandes hidrelétricas e outros empreendimentos. Há, ainda, aquelas que perderam familiares ou companheiras de lutas, vítimas do feminicídio e de crimes políticos, e lutam também como forma de manter suas histórias vivas.

O que as une é a experiência avassaladora de ter suas vidas e seus direitos violados por grandes empreendimentos e eventos extremos, como as secas na Amazônia, os rompimentos de barragens em Minas Gerais, as enchentes no Rio Grande do Sul ou os deslizamentos de São Sebastião (SP).

Em muitos casos, elas enfrentam a perda de renda, trabalho e autonomia financeira, com a interrupção de seus modos de vida e a contaminação do solo e das águas por resíduos tóxicos da mineração. Além disso, a sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados geralmente se intensifica após eventos de deslocamento forçado e crimes ambientais, pois a impossibilidade de atuar na roça ou na pesca, por exemplo, força muitas mulheres a trabalhos informais e precários. Isso intensifica as desigualdades de gênero e violências, que atingem as mulheres nas dimensões econômicas, ecológicas, políticas e culturais.

O protagonismo das mulheres no Movimento

As mulheres do MAB, no entanto, não são apenas vítimas; são protagonistas ativas. Elas integram o Coletivo de Mulheres do movimento e se organizam de diversas formas: em reuniões, atos públicos e oficinas. Por estímulo do Movimento, am a estudar na academia temas relacionados aos direitos humanos, ao modelo energético e a alternativas econômicas mais justas e inclusivas para o país. Dedicam-se, portanto, à produção acadêmica, à articulação política e a intervenções artísticas relacionadas à luta.

Elas também se unem e se expressam por meio das oficinas de arpillera, telas bordadas que se tornam um poderoso instrumento de denúncia das violações de direitos, transformando a dor em arte e visibilidade. Atualmente, as mulheres do MAB assinam a exposição “Mulheres Atingidas por Barragens: Bordando Direitos”, que está em cartaz no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), um dos mais importantes espaços do circuito de artes da América Latina.

Segundo Daiane Höhn, uma das organizadoras da mostra, as arpilleras materializam a força e coragem da luta coletiva, que é a base de resistência das mulheres. Para ela, a arte é um instrumento não só de denúncia, mas, também, de elaboração e proposição de novas possibilidades de vida.

Mulheres em Luta

Conheça algumas das mulheres que, com suas histórias e determinação, representam a força e a diversidade do MAB:

Tatiana Rodrigues: a busca por reparação de um dos maiores crimes ambientais do país

Foto: Joka Madruga / MAB

Tatiana Rodrigues é moradora de São Joaquim de Bicas (MG), um município que ainda hoje sofre com os enormes impactos da contaminação e destruição causadas pelo crime da Vale na Bacia do Paraopeba há seis anos. Depois de ter a vida atravessada pela lama da mineração, ela entrou para o MAB para lutar por seus direitos e conta que o movimento transformou sua visão de mundo. “Às vezes, achamos que as coisas são como devem ser, mas há muito a mudar”, afirma. Ela considera que o MAB é capaz de mobilizar as pessoas que acreditam nessas mudanças e provocar reflexões importantes. “Aprendi que o lucro não pode se sobrepor à vida, mas quando isso acontece, precisamos lutar”, afirma.

Para a atingida, além de estimular um olhar crítico para a sociedade, o MAB estimula a solidariedade e o apoio entre os atingidos de diferentes regiões. Segundo ela, graças ao Movimento, as vitórias locais – alcançadas por meio da luta na Bacia do Paraopeba – estão reverberando nacionalmente e influenciando outras regiões. Tatiana destaca o papel fundamental das mulheres nessas conquistas, observando que “80% dos participantes [em lutas e reuniões] são mulheres, e são elas que fazem a diferença.

Missay Nobre: a luta como amazônida e transfronteiriça

Missay Nobre, 26 anos, é assistente social e técnica em istração, além de ser uma militante ativa no MAB, com foco especial no Coletivo de Saúde. “Sou amazônida, atingida e transfronteiriça”, afirma, explicando que sua cidade natal fica na fronteira com a Bolívia.

Segundo Missay, sua percepção sobre sua condição de atingida se consolidou ao compreender o modo de atuação das Usinas Hidrelétricas (UHEs) Jirau e Santo Antônio. Ela relata que essas usinas, ao priorizarem o lucro em sua operação, agravaram significativamente as piores enchentes do Rio Madeira, que chegaram a deixar sua cidade, Guajará-Mirim, completamente isolada. Essa compreensão a impulsionou a lutar junto ao Movimento.

“Nesses anos de caminhada e dedicação ao MAB me possibilitou muitas coisas, principalmente ver a realidade e a sociedade por outros olhos, bem como compreender o modelo de produção capitalista que gera as desigualdades que assolam, sufocam e matam nosso povo; e o quanto a mudança é necessária e precisa começar pelo povo atingido, a classe trabalhadora, desde a raiz”. Ela ressalta que as mulheres, em sua maioria pretas e pardas no Brasil e no Movimento, são severamente atingidas pelo atual modelo econômico. Por isso, considera fundamental que elas estejam organizadas e em luta para desmantelar essa estrutura e construir uma sociedade na qual a busca por um território seguro, liberdade, direitos, trabalho e salários dignos e uma vida justa para todos e todas não seja uma luta contínua.

Dalila Calisto: entre a militância, a pesquisa acadêmica e a maternidade

Dalila Calisto é descendente dos povos indígenas Jaguaribaras e Tapuias. É atingida pela barragem Castanhão, no Ceará, e militante da Coordenação Nacional do MAB. Sua formação acadêmica, com graduação em Pedagogia, especialização em Energia e Sociedade (UFRJ) e mestrado em Desenvolvimento Territorial (UNESP), culminou na autoria do livro “Mercantilização da Água”, que discute os efeitos nefastos da privatização da água no Piauí.

Para ela, o MAB, que na infância significou o sonho de casa própria e reassentamento coletivo para sua família e comunidade após o deslocamento forçado por conta da obra do Açude do Castanhão, no interior do Ceará, hoje é um espaço de formação e ação política que a torna crítica e organizada. “É onde uma mulher de origem simples, do interior do sertão nordestino, como eu, encontra possibilidades de ser sujeito da história, com protagonismo e autonomia”, afirma. Ela vê o MAB como um promotor de transformação simbólica, desmantelando estruturas conservadoras através da organização popular. Dalila conta, ainda, que ter se tornado mãe da pequena Olga intensificou sua combatividade e a defesa do papel da mulher na política, nas lutas sociais e na vida pública. Ela acredita que a Jornada das Mulheres em Brasília vai ser um marco, reforçando a força coletiva feminina diante de crises, guerras e do avanço do fascismo no país.

Amanda Paulino: atingida na barriga da mãe

Amanda é filha de uma família que nasceu em meio à luta do MAB contra grandes barragens no Nordeste e levou sua experiência de resistência e organização coletiva para a Amazônia, para fortalecer territórios que enfrentam uma enorme pressão dos setores mais devastadores do país.

A jovem está no Movimento desde a barriga da mãe Cleidiane, que foi atingida pelo açude do Castanhão, no Ceará. Cresceu em meio à militância dos pais, dedicados a levar justiça para os atingidos de diferentes realidades, o que a sensibilizou desde criança. Há 14 anos, ela mora no Pará, onde já testemunhou grandes enfrentamentos do MAB, incluindo a luta pelos direitos dos atingidos por Belo Monte, uma das maiores hidrelétricas do mundo. “Tenho convicções sobre o nosso papel em construir uma nova sociedade”, diz Amanda. Para ela, ser “semente do MAB” é um orgulho, pois esse é um movimento construído diariamente “pelas mãos de quem acredita na luta popular, em especial às mãos das mulheres que estão à frente, bordando a luta coletiva, de punho esquerdo erguido em todos os cantos do país.”

Débora de Moraes da Silva: existência política e solidária

Foto: Comunicação MAB

Moradora de Lajeado (RS), Débora de Morais luta junto ao MAB para apoiar outros atingidos que sofrem com as enchentes anuais do Vale do Rio Taquari, uma das regiões mais afetadas pelas cheias que assolaram o Rio Grande do Sul no último ano. Para ela, participar do Movimento significa fazer a diferença, lutando por um futuro digno e justo para todas as pessoas, principalmente para os grupos minorizados. “É lá que busco a concretização de uma vida com qualidade e justiça social. Como mulher e lésbica, minha existência é política”, afirma. Por isso, ela acredita que a luta coletiva é o único caminho para vencer as injustiças sociais impostas pelo capitalismo. “Nos organizar enquanto mulheres contra o fascismo é de extrema importância. A luta feminista deve ser pensada para todas nós. Nos reconhecermos como protagonistas da nossa própria história e combater o patriarcado, que tanto nos oprime, é essencial!”. Sua ida a Brasília é para reafirmar esse protagonismo.

Maria Aparecida Pereira Neves: resiliência urbana contra a crise climática

Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Cida, como é conhecida, mora em Fortaleza (CE), e conheceu o MAB no ensino médio, quando sua comunidade de origem, Gravatá (Caririaçu/CE), foi ameaçada por um projeto de aterro sanitário. Na capital, ela e outras famílias enfrentam anualmente os alagamentos, intensificados pela crise climática e pela precária infraestrutura urbana. Essa situação afeta principalmente os bairros mais pobres, gerando problemas de saúde e comprometendo a segurança. “O que no interior do estado é sinônimo de fartura, na capital se torna motivo de preocupação e noites sem dormir, na tentativa de proteger os filhos e salvar os poucos pertences”, relata.

Para Cida, integrar o MAB é uma forma essencial de resistência, pois permite compreender que os problemas não são isolados, mas desafios repetitivos causados pela falta de políticas públicas. “A organização popular é o único caminho”, afirma. Ela considera o encontro em Brasília fundamental, especialmente em um momento de avanço da crise climática e do crescimento do fascismo, que afeta diretamente as mulheres com o aumento da violência e a tentativa de controle sobre seus corpos. “Isso é um projeto que devemos combater todos os dias”, conclui.

A Força Coletiva das Mulheres do MAB: Bordando a Resistência

Essas histórias individuais convergem para um propósito coletivo poderoso. As mulheres do MAB demonstram uma força inabalável e um compromisso com a transformação. Elas são a maioria nas mobilizações e na organização das lutas, impulsionando a busca por direitos e justiça.

A participação dessas mulheres na Jornada de Lutas em Brasília é um testemunho de sua resiliência, de sua capacidade de ir além da dor e de sua voz fundamental. Elas não buscam apenas a reparação individual, mas a transformação de um sistema que precariza suas vidas, violenta seus corpos e nega seus direitos. A luta dessas mulheres é um espelho da resistência popular brasileira, bordando com garra e determinação um futuro mais justo e equitativo para todos.

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