“É crucial que os movimentos sociais sejam integrados nos museus, para que suas vozes moldem a narrativa cultural e histórica do país” diz curadora do MASP

A afirmação da curadora assistente Glaucea Britto destaca a importância da exposição “Mulheres Atingidas por Barragens: bordando direitos”

Placa da Exposição do MAB na Avenida Paulista. Foto: Pedro Salvador / MAB

Em cartaz desde 11 de abril no MASP, a mostra do MAB reúne 34 arpilleras (telas bordadas), produzidas pelo Coletivo Nacional de Mulheres do Movimento, que transformam sua luta em produção criativa e política. Logo na entrada de uma das maiores instituições de arte do país, na emblemática Avenida Paulista, a força da expressão das atingidas se manifesta na peça “Arpillera 25 de janeiro”. Criada por mulheres da Bacia do Paraopeba, em Minas Gerais, a obra denuncia os efeitos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, um dos maiores crimes socioambientais do Brasil. A tela não apenas integra o conjunto de obras em exposição, mas também a a fazer parte do acervo permanente do museu.

Sob a curadoria de Glaucea Helena de Britto e Isabella Rjeille, ambas do MASP, a exposição apresenta obras produzidas coletivamente em oficinas e encontros de atingidas do MAB entre 2014 e 2024, para denunciar violações de direitos sofridas em seus territórios. De forma geral, as mulheres abordam, por meio desse trabalho, a violência de gênero, o descaso com a saúde pública, a impunidade de grandes empresas responsáveis pelos principais crimes ambientais no país, os impactos das mudanças climáticas nas comunidades tradicionais e o avanço devastador do agronegócio sobre as paisagens da Amazônia. Segundo Glaucea, esses temas são essenciais para se entender o Brasil atual. Por isso, ela enfatiza a relevância do MASP abrir espaço para essa produção artística carregada de significado.

“Acredito que o Brasil, como sociedade fundada na violência e na violação desde seu ato inicial de fundação, tem nos movimentos sociais os grandes responsáveis por um processo de entendimento e conscientização sobre essa lógica marginalizante que, muitas vezes, é fatal para grande parte da população excluída do projeto hegemônico de sociedade construído no Brasil desde o começo. Portanto, é fundamental que toda a sociedade conheça tudo aquilo que organizações como o MAB, com seu protagonismo feminino, denuncia e propõe”, defende.

A mostra do MAB integra a série de exposições Histórias da Ecologia. Foto: Vitori Jumapili / MAB

A curadora também destaca o papel do museu como um espaço de acolhimento e amplificação dessas vozes: “Considero essencial que nos posicionemos como uma ferramenta ativa de atuação e ocupação desse espaço de conscientização, fomentando a educação popular e a transformação social. Esse gesto de aproximação, essa disposição para estar junto, compor colaborativamente e dividir os espaços representa um caminho promissor para o avanço da nossa sociedade. O museu, inegavelmente, integra esse processo”, avalia.

Isabella Rjeille compartilha essa visão, sublinhando a capacidade do MASP de ampliar debates cruciais. “Entendo a arte como algo inseparável de seu contexto social. As arpilleras, nesse sentido, são uma poderosa expressão artística coletiva e popular, protagonizada por mulheres, e politicamente engajada. Acredito que instituições de arte como o MASP são capazes de abrir espaço para discussões ou ampliar debates que já existem, sensibilizando outros públicos. Expor essas obras em um museu amplifica as vozes das autoras e faz com que suas histórias alcancem um público ainda maior.”

Museu e mobilização

A exposição “Mulheres Atingidas por Barragens: bordando direitos” integra o ciclo “Histórias da Ecologia” do MASP, que por sua vez se insere em uma sequência de eventos com uma forte proposta decolonial, a exemplo de “Histórias Afro-Atlânticas” e “Histórias Indígenas”. O movimento decolonial nas artes busca desconstruir a hegemonia do pensamento e da estética ocidental, valorizando a diversidade de saberes e expressões artísticas de grupos geralmente marginalizados. “Embora, historicamente, tenha surgido como um dispositivo colonial de poder, moldado por um viés e um objetivo específicos, ao adotar uma postura de parceria, colaborando na criação de projetos curatoriais e outras atividades em conjunto com os movimentos sociais, o museu não apenas se redime de suas origens, mas também fortalece e valoriza profundamente os princípios que defendemos”, reforça Glaucea.

Isabella também destaca a singularidade e o impacto da técnica da arpillera: “A arpillera é um trabalho essencialmente feminino e coletivo, o que é pouco usual nas principais instituições de arte do país. As oficinas de arpillaria são capazes de reunir e organizar politicamente e socialmente mulheres de diversas partes do Brasil, proporcionando um espaço seguro para que elas possam compartilhar e elaborar suas experiências, além de fornecer materiais para que elas possam narrar suas próprias histórias. As arpilleras também atravessam barreiras e levam movimentos sociais para outros espaços, como um museu, por exemplo, ampliando discussões e envolvendo novos públicos.”

Sobre as arpilleras

A atingida Lucielle Sousa, de Itaituba (PA), durante abertura da mostra no MASP. Foto: Camila Fróis / MAB

As arpilleras, com suas composições de retalhos de tecido bordado sobre juta, vão além da técnica artística, erigindo-se como um símbolo potente da memória e da luta por direitos humanos. A técnica foi criada por bordadeiras de Isla Negra, no litoral do Chile e ganhou força durante a ditadura de Augusto Pinochet, sendo usada por mulheres da época para denunciar as violências sofridas no país. No Brasil, o Coletivo de Mulheres do MAB ou a disseminar as arpilleras entre os seus grupos de mulheres a partir de 2013, como um meio expressivo para abordar questões urgentes como violência doméstica, a desintegração de laços comunitários, a violência contra crianças e adolescentes, a privação de recursos básicos e os efeitos da degradação ambiental e das contradições do atual modelo energético.

“Por isso, apresentar e contextualizar a produção de arpilleras do MAB dentro do nosso ano dedicado às Histórias da Ecologia no MASP é muito importante, porque traz à tona a dimensão humana e social dos impactos de do modelo energético em vigor no Brasil”, conclui a curadora Isabella.

Serviço

Exposição: Mulheres Atingidas por Barragens: bordando direitos

Período: 11 de abril a 3 de agosto de 2025
Local: Mezanino, 1º subsolo, MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Horários: Terças grátis, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta e quinta das 10h às 18h (entrada até as 17h); sexta das 10h às 21h (entrada gratuita das 18h às 20h30); sábado e domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas. Ingressos: R$ 75 (inteira); R$ 37 (meia-entrada).

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 28/02/2025 por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

Jornada de Lutas | MAB luta pela implementação da PNAB, reparação dos atingidos de Mariana e enfrentamento da crise climática

Mobilização nacional do MAB denuncia violações de direitos dos atingidos por barragens e pressiona por justiça, reparação e políticas públicas eficazes

| Publicado 03/02/2025 por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

Mulheres atingidas lançam Jornada de Lutas de março e anunciam Encontro Nacional em Brasília (DF)

Em plenária Virtual Nacional, atingidas debateram pautas da Jornada de Lutas que acontece em março, na capital federal, com protagonismo das mulheres

| Publicado 19/08/2024 por Coletivo Nacional de Comunicação do MAB

Mulheres atingidas de 21 estados iniciam processo de formação em parceria com o Ministério das Mulheres

Parceria que se estende a todas as regiões do país ampliará processo de formação para defesa de direitos das mulheres atingidas