“As mudanças climáticas exigem políticas públicas baseadas nos direitos humanos”, aponta Relatório da OEA

Um ano depois das enchentes no Rio Grande do Sul, Relatório da Organização dos Estados Americanos aponta a necessidade de empenho do poder público para reparação da situação dos atingidos

Javier Palummo, relator da OEA, participou do seminário organizado pelo MAB e UFRGS. Foto: Victória Holzbach / MAB
Javier Palummo, relator da OEA, participou do seminário organizado pelo MAB e UFRGS. Foto: Victória Holzbach / MAB

“Os impactos foram mais severos para alguns grupos específicos, que já tinham uma situação de vulnerabilidade prévia”. A afirmação é do Relator Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Javier Palummo participou nesta segunda e terça-feira do Seminário Crise Climática e Direitos dos Atingidos: os desafios da reconstrução com justiça socioambiental e participação popular, promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O Relator Especial visitou o Rio Grande do Sul em dezembro do ano ado e durante a tarde de ontem, (05), apresentou o relatório produzido a partir do que viu nos dias em que esteve no RS. O documento inclui recomendações ao Estado brasileiro e governos para garantia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais em situações de emergências climáticas.

Entre 02 e 06 de dezembro de 2024, a equipe esteve, entre outros lugares, na Região Metropolitana de Porto Alegre e no Vale do Taquari, com o objetivo de documentar os impactos das enchentes, analisando seus efeitos no o a bens e serviços básicos, com ênfase na saúde, educação, habitação, meio ambiente e meios de subsistência. Além disso, a missão também buscou compreender as causas da crise climática e analisar os desafios na resposta do Estado.

O relatório, conforme apontou Palummo, foi apresentado pela primeira vez no Brasil e ressalta que “as enchentes têm se tornado eventos mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas globais”. O relator alertou durante a exposição que “o desastre ocorrido no Rio Grande do Sul em 2024 não deve ser considerado como um fato isolado”, e destacou “a necessidade urgente de desenvolver e implementar mecanismos eficazes de prevenção, mitigação e reparação”.

Na sequência, Javier seguiu apontando que a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) reconhece o empenho do Estado brasileiro em resposta às inundações e advertiu que “os esforços de reconstrução precisam de um olhar de justiça climática para não aprofundar as desigualdades existentes antes das enchentes. As mudanças climáticas exigem políticas públicas baseadas nos direitos humanos”, salientou o relator.

A apresentação do relatório seguiu com um alerta importante: a visita identificou impactos e insuficiências em 10 direitos humanos dos atingidos pelas enchentes. O texto cita especificamente os impactos da enchente sobre o direito ao meio ambiente saudável, à participação, ao o à informação, ao o à água, à saúde, à moradia, à alimentação, à educação, ao trabalho e sobre os direitos culturais.

Recomendações ao Estado Brasileiro

A partir da realidade identificada no Rio Grande do Sul desde as enchentes e a necessidade urgente de reparação do Estado junto aos atingidos, a REDESCA propõe no relatório 24 recomendações para uma recuperação sustentável, equitativa e alinhada com os direitos humanos.

Entre os pontos, alguns contemplam a necessidade de ações de prevenção, integrando os níveis federal, estadual e municipal. Outro ponto aborda a necessidade de “implementar mecanismos rigorosos de fiscalização” e uma parte se refere especificamente à insuficiência do Estado. 

Conforme já denunciado pelo MAB, a questão da moradia é um dos pontos essenciais da reparação, já que milhares de pessoas ainda aguardam sua casa. Neste sentido, o relatório recomenda ao Estado: “Desenvolver programas habitacionais abrangentes que garantam moradia digna e segura, considerando realocações definitivas de comunidades em áreas de risco, com participação ativa das comunidades afetadas. Garantir políticas habitacionais que assegurem moradia digna em áreas seguras, considerando a diversidade étnica e socioeconômica das populações.”.

O MAB tem pautado a luta por moradia e cuidados com a saúde mental da população atingida pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Foto: Victória Holzbach / MAB
O MAB tem pautado a luta por moradia e cuidados com a saúde mental da população atingida pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Foto: Victória Holzbach / MAB

Outra demanda importante identificada na população atingida é a saúde mental – fragilidade também já diagnosticada pelo MAB. O relatório aconselha ao poder público “criar políticas de atenção integral à saúde mental nas comunidades afetadas, garantindo e psicossocial tanto às vítimas de desastres climáticos quanto às pessoas trabalhadoras da linha de frente”.

Além disso, o documento aponta a necessidade de fortalecer o combate à desinformação, “reverter retrocessos legislativos em matéria ambiental e de direitos humanos” e adotar medidas voltadas para uma transição energética justa. 

Para que todo este processo seja feito de forma integral e plena, o relatório sugere ao Estado brasileiro:

“Garantir a participação efetiva da sociedade civil, das comunidades locais e da comunidade científica nos processos de planejamento, resposta e recuperação diante de desastres climáticos, assegurando transparência e o a informações confiáveis e baseadas em evidências”.

Por fim, o relator Javier Palummo salientou a proposta feita pela REDESCA para qualificar o monitoramento e a execução de medidas preventivas, colocando a Relatoria à disposição para colaborar com uma “assistência técnica por meio de um mecanismo especial de acompanhamento, com o objetivo de monitorar e fortalecer ações voltadas à proteção dos direitos diante dos impactos das mudanças climáticas”. Para concluir, avisou: “A REDESCA seguirá acompanhando e documentando as violações de direitos humanos que surgirem nos territórios”.

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